'Lavo Minhas Mãos!' - A Grande Omissão


Que homem é este? Por que seu próprio povo o entrega para ser julgado? Estas eram algumas das perguntas acerca de Jesus que povoavam a cabeça de Pôncios Pilatos, homem da mais alta confiança de César, e que havia sido destacado para ser o governador da Judeia.

Jesus já havia passado pelas mãos do sinédrio e dos sacerdotes, mas estes, apesar de o considerarem digno de morte, acusando-o de heresia, nada podiam fazer. Não tinham autoridade para executá-lo. Por isso, enviou-o a Pilatos.

Temeroso da reação popular, já que Jesus gozava de popularidade invejável, Pilatos o envia a Herodes, o rei fantoche. Depois de divertir-se um pouco com o Galileu, Herodes o reenvia a Pilatos, pois também temia perder popularidade, caso o condenasse.

Jesus parecia um joguete nas mãos dos poderosos. Ninguém queria aquela “batata quente”.

Sem ter mais a quem apelar, Pilatos se viu numa sinuca de bico. Algumas horas antes aquele povo havia recepcionado a Jesus na entrada da cidade, bradando: Hosana ao Filho de Davi!

Se Pilatos o condenasse, ficaria bem com a casta sacerdotal, mas teria sua popularidade maculada. Se o absolvesse, ganharia o povo, mas perderia o apoio dos sacerdotes. E agora, José?

Quem nunca se viu numa saia-justa dessas? Do tipo, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?

A exemplo de Pilatos, recorremos a todas as instâncias, buscando manter-nos isentos. Preferimos omitir-nos, alegando não ser problema nosso. Mas algumas demandas são como bumerangue,  vão e voltam, e caem no nosso colo.

De repente, ocorre a Pilatos que os judeus estavam em plena semana de Páscoa, ocasião em que, segundo a tradição, as autoridades  levavam dois presos diante do povo, para que se escolhesse quem deveria receber indulto.

Não haveria momento melhor do que recorrer a tal tradição. Era uma espécie de jurisprudência, em que o juiz se baseia em decisões anteriores de seus colegas para resolver questões não previstas na lei, e assim poupar-se de ser acusado de arbitrariedade. 

De fato, basear nossas ações em tradições nos protege. Caso cometamos qualquer erro, este entra na conta da tradição. Apenas repetimos um padrão estabelecido antes de nós.

Que mal tem? Meu pai agiu assim. Meu avô, idem. Por que deveria fazer diferente?

No fundo, isso não passa de um mecanismo que visa isentar-nos da responsabilidade.

Pilatos imaginou que trazendo diante do povo um meliante como Barrabás, Jesus facilmente escaparia daquela cilada armada pelos sacerdotes.

Quem em sã consciência escolheria um bandido de alta periculosidade em vez de um rabino de conduta ilibada?

Enquanto Barrabás é introduzido, e colocado ao lado de Jesus, a mulher de Pilatos se aproxima e sussurra em seu ouvido:

- Meu bem, não se mete com este homem. Andei tendo uns sonhos estranhos. Acho que ele é um santo e não seria justo você condená-lo por causa da pressão desta gente.

Quantas vezes Deus tem colocado ao nosso lado pessoas que nos servem como despertador para nossa consciência! Gente que percebe as coisas de um ângulo que não logramos enxergar. São nossos alter-egos. Aqueles que extraem de nós o que temos de melhor. Quando necessário, nos confrontam.  Dizem o que nem sempre é o que queremos ouvir. Bem-aventurado é quem tem ao seu lado alguém que lhe faça pensar antes de agir.

Tudo indica que o argumento dela convenceu-o. Pilatos estava disposto a defender Jesus contra a inveja daqueles religiosos profissionais.

Os sacerdotes aproveitaram a distração, se infiltraram no meio do povo, e começaram a incitá-lo a pedir a liberdade para Barrabás, e a crucificação de Jesus.

Em poucos minutos, o mesmo povo que aclamara Jesus na véspera, agora estava convencido a pedir sua execução.

Em meio a turba, nossa consciência é suprimida. Nossos instintos são aflorados. Os valores vão para o ralo.   Bem faríamos se considerássemos seriamente o mandamento: “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito” (Êxodo 23:2).

Há líderes que dominam a malévola arte de manipular uma multidão. Com seu carisma a toda prova são capazes de jogar com as emoções das pessoas, levando-as das lágrimas às gargalhadas num intervalo de segundos. Com seu senso crítico suspenso durante a histeria coletiva, as pessoas se prestam a qualquer papel, inclusive o de tirar tudo o que têm no bolso e entregar nas mãos destes líderes inescrupulosos.

Pilatos se levanta, dirige-se à turba enfurecida e pergunta:
- E aí, minha gente, já decidiu? A quem devo soltar? Jesus, o gente boa, ou Barrabás, o cão chupado manga?

O coro já estava ensaiado. “Barrabás!” gritam os incautos.

- E quanto a Jesus, chamado Cristo, o que devo fazer?

Sem titubear, o povo grita: “Crucifica!!!”

Ele ainda tenta argumentar em defesa de Jesus. Mas os gritos abafam seus argumentos. O tumulto crescia, e antes que se perdesse o controle, Pilatos pede uma bacia com água, e diante de todos, faz um gesto que entraria para a história como o símbolo-mor da omissão.

- Vocês são testemunhas de que não vi nada de mal nesse homem. Por mim, ele seria liberado. Mas como vocês exigem a soltura de Barrabás e a sua crucificação, eu lavo minhas mãos. Sou inocente do sangue deste homem.

Quanto custa lavar as mãos numa situação como esta? Neste caso, enquanto as mãos de Pilatos saíram limpas, as mãos de Jesus saíram feridas, perfuradas por cravos que o penduraram na cruz.

É relativamente fácil lavar as mãos, omitir-se, deixar que outros decidam por nós; difícil é lavar a consciência, sabendo que poderia ter evitado uma injustiça e não o fez.

Assistindo àquele gesto insólito, a multidão respondeu:
- Que o seu sangue caia sobre nós e nossos filhos!

Meu Deus, onde aquela gente estava com a cabeça? Perderam totalmente o senso? Não perceberam o peso daquelas palavras?

Horas depois, enquanto percorria a via-crucis, Jesus viu algumas mulheres chorando, parou e disse-lhes: Não chorem por mim! Chorem por vocês e por seus filhos!

Cada decisão que tomamos afeta não apenas nossa vida, mas também à vida dos que nos cercam, bem como a daqueles que virão depois. Por isso, não temos o direito de agir inconsequentemente. Há que se ponderar a repercussão que nossas atitudes poderão ter no futuro.

Que o Senhor nos cerque de gente mais persuasiva que a mulher de Pilatos, que nos impeça de cometer precipitações e, sobretudo, injustiças. Que o Senhor nos livre de gente como aqueles sacerdotes movidos de ciúme e inveja, capazes de incitar o que há de pior em nossa natureza.

E que lá na frente, ninguém pague o pato pelas nossas precipitações.

Vai uma bacia de água aí?

| Autor: Hermes C. Fernandes | Divulgação: estudosgospel.Com.BR |