Como Jesus pode ser Deus e Homem?


         Tão admirável como a Doutrina da Trindade é a Doutrina da Encarnação, ou seja, que Jesus é Deus e Homem ao mesmo tempo, eternamente, numa só Pessoa. Conforme disse o teólogo contemporâneo J. I. Packer:
 

“Temos aqui dois mistérios pelo preço de um - a pluralidade de Pessoas na unidade de Deus e a união de Deus com a humanidade, na Pessoa de Jesus Cristo... Nada na ficção é tão fantástico como o que acontece na verdade da Encarnação.”  (1).


          A igreja primitiva considerava a Encarnação como uma das verdades mais importantes da nossa fé. Por isso, ela formulou o que foi chamado “O Credo de Calcedônia”, uma declaração que estabeleceu claramente aquilo que devemos receber e no que devemos crer sobre a Encarnação. Este Credo resultou de um grande concílio, o qual teve lugar nos dias 08/10 a  01/11 do ano 345 d.C., na cidade de Calcedônia, o qual foi adotado como modelo e distinção ortodoxa do ensino bíblico sobre a Pessoa de Cristo, a partir daquele tempo, para todos os ramos do Cristianismo. (2).
         Existem cinco verdades principais com as quais o Credo de Calcedônia resumiu o ensino bíblico sobre a Encarnação:
  • Jesus tem duas naturezas - Ele é Deus e Homem.
  • Cada natureza é absolutamente completa, sendo Ele verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
  • Cada natureza permanece distinta.
  • Cristo é uma só Pessoa.
  • As coisas que são verdadeiras a uma só natureza são, contudo, verdadeiras na Pessoa de Cristo.

         Uma apropriada compreensão destas verdades anula muita confusão e muitas dificuldades que possamos ter em mente. Como Jesus pode ser Deus e Homem?  Por que isto não O transforma em duas pessoas? Como se relaciona a Sua Encarnação com a Trindade? Como Jesus pôde ser pendurado na cruz (Mateus 4:2) e morto (Marcos 15:33), quando estava na Terra, mesmo sendo Deus? Jesus abdicou de qualquer um de Seus atributos divinos na Encarnação? Por que é errado dizer que Jesus é “parte” de Deus? Jesus ainda é humano hoje e  continua tendo um corpo humano?”

Jesus tem duas naturezas - Deus e Homem

         A primeira verdade que  devemos entender é que Jesus é uma Pessoa com duas naturezas - a natureza divina e a natureza humana. Em outras palavras, Jesus é tanto Deus como Homem. Vejamos claramente cada natureza:
        Jesus é Deus - A Bíblia ensina que Jesus não é apenas alguém que muito se assemelha a Deus, ou que anda intimamente com Deus. Em vez disso, Jesus é o próprio Deus Altíssimo. Após ver Cristo ressuscitado, Tomé exclamou: “Senhor meu, e Deus meu!” (João 20:28). Do mesmo modo, o Livro de Hebreus nos dá o exato testemunho de Deus Pai, quando diz:
 
"Eles perecerão, mas tu permanecerás; e todos eles, como roupa, envelhecerão, e como um manto os enrolarás, e serão mudados. Mas tu és o mesmo, e os teus anos não acabarão.  E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha destra, até que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés?" (Hebreus 1:11-13).

         Em João 1:18, lemos João chamando Jesus de “O Filho unigênito, que está no seio do Pai”.
         Outra maneira pela qual a Bíblia ensina que Jesus é Deus é mostrando que Ele possui todos os atributos divinos. Ele conhece todas as coisas (Mateus 18:20; 28:20; Atos 18:10); Ele está em toda parte (Mateus 8:26, 27; 28:18; João 11:38-44; Lucas 7:14-15; Apocalipse 1:8).  Ele não depende de coisa alguma, fora de Si mesmo, para ter vida (João 1:14; 14:6; 8:58). Ele governa todas as coisas (Mateus 28:18; Apocalipse 19:16; 1:5). Ele jamais teve princípio de existência nem terá fim (João 1:1; 8:58). Ele é o Criador de tudo (Colossenses 1:16). Em outras palavras, tudo que Deus é Jesus é, também, porque Ele é Deus!
         Especificamente, Jesus é Deus o Filho
         Para conseguirmos uma compreensão melhor da Encarnação de Cristo é necessário que tenhamos uma certa compreensão da Trindade. A Doutrina da Trindade declara que Deus é um Ser que existe em três Pessoas distintas. Antes de tudo, isto significa que devemos distinguir cada uma das Pessoas da Trindade das outras duas. O Pai não é o Filho nem é o Espírito Santo. O Filho não é o Espírito Santo nem é o Pai. O Espírito Santo não é o Pai nem é o Filho. Cada uma delas é um centro distinto de consciência. Contudo, elas compartilham exatamente a mesma natureza/essência divina. Desse modo, as três Pessoas são um único Ser. O Ser/essência divino  não é algo dividido entre as Pessoas, como se cada Pessoa recebesse 1/3. Em vez disso, o Ser divino é total e igualmente possuído pelas três Pessoas, de modo que as três Pessoas são plena e igualmente Deus.
         Como o fato de Deus ser três Pessoas em um Ser se relaciona com a Encarnação? Para responder isto devemos considerar outra pergunta: qual das três Pessoas se encarnou como Jesus Cristo? Todas as três?  Ou apenas uma? Qual delas? A resposta bíblica é que somente o Filho Se encarnou. O Pai não Se encarnou em Jesus e nem o fez o Espírito Santo. Desse modo, Jesus é Deus, mas não é o Pai nem é o Espírito Santo. Jesus é Deus o Filho.
         A verdade que somente o Filho Se encarnou é ensinada, por exemplo, em João 1:14:
 
"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade".  João 1:14

         No contexto, o “Verbo” (Palavra) de Deus é Deus o Filho (Conforme João 1:1; 18 e 3:16). Desse modo, não foi o Pai nem o Espírito Santo que Se tornaram homem, mas Deus o Filho. Assim, no batismo de Jesus, vemos o Pai afirmando: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo" (Lucas 3:22). Ele não disse: “Você Sou Eu, está comigo e nisto eu me comprazo”. Em vez disso, o Pai afirmou que Jesus é o Filho, no qual Ele, o Pai, Se compraz.  No mesmo verso, vemos ainda que o Espírito Santo é distinto do Pai e do Filho, pois Ele Se  manifestou em “forma corpórea como pomba”.
         Por que é importante sabermos que Jesus é, especificamente, Deus o Filho? Por uma razão: se o entendermos, não cometeremos erro sobre a verdadeira identidade do nosso Salvador. Além do mais,  isto é algo que afeta grandemente o modo como nos relacionamos com o Deus Trino (Triúno).  Se pensarmos que Jesus é o Pai ou o Espírito Santo, ficaremos confusos em nossas orações. Finalmente, é uma heresia acreditar que o Pai Se  encarnou em Jesus.

Jesus é Homem

         Deveria ser óbvio que Jesus é Deus e que Ele sempre foi Deus. Jamais houve um tempo em que Ele tenha Se  tornado Deus, pois Deus é eterno. Mas Jesus nem sempre foi Homem. O fantástico milagre é que este Deus eterno Se tornou Homem, na Encarnação. Isto aconteceu há 2.000 anos. Portanto, a Encarnação é Deus Se tornando Homem. E por causa deste grande evento é que (muitos) celebram o Natal.
         Mas, o que exatamente queremos dizer quando informamos que Deus o Filho Se tornou Homem? Certamente não queremos dizer que Ele Se transformou num homem, no sentido de ter deixado de ser Deus, para começar a ser homem. Jesus não renunciou à Sua Divindade, quando da Encarnação, conforme foi visto nos versos anteriores. Em vez disso, conforme disse um antigo teólogo,
 

“Permanecendo o que Ele era, Jesus Se tornou no que não era”. Cristo “não era agora Deus, com menos elementos de Sua Divindade, mas Deus, acima de tudo, ao fazer a escolha de assumir Ele mesmo a humanidade”. (3).

        Desse modo, Jesus não renunciou a qualquer dos Seus atributos na Encarnação. Ele continuou possuindo todos eles, pois se precisasse desistir dos Seus atributos divinos, Ele teria deixado de ser Deus. 
         A verdade sobre a humanidade de Jesus é tão importante como a verdade sobre a Sua Divindade.  O apóstolo João fala claramente sobre qualquer pessoa que nega que Jesus é Homem, chamando-a anticristo. (1 João 4:2-3; 2 João 1:7). A humanidade de Jesus é mostrada no fato de que Ele nasceu como um bebê, de mãe humana (Lucas 2:7; Gálatas 4:4); que Ele se cansava (João 4:6); tinha sede (João 19:28); teve fome (Mateus 4:2) e experimentou todas as emoções humanas, tais como Se maravilhar (Mateus 8:10), entristecer-Se e chorar (João 11:35). Ele viveu na Terra exatamente como todos nós vivemos.

Jesus é um Homem Imaculado

         É essencial sabermos que Jesus não teve uma natureza pecaminosa e que Ele jamais cometeu pecado algum, mesmo tendo sido tentado de todas as maneiras (Hebreus 4:15); Jesus é total e perfeitamente Homem e também passou por todas as experiências humanas. Temos um Salvador que verdadeiramente pode Se identificar conosco, porque Ele é Homem e pode nos ajudar nas tentações, visto como jamais cometeu pecado algum. Esta é uma espantosa verdade que separa o Cristianismo de todas as outras religiões.

Cada natureza é total e completa

         Tendo visto a base bíblica de que Jesus é tanto Deus como Homem, a segunda verdade que devemos reconhecer é que cada uma das duas naturezas de Cristo é total e completa. Em outras palavras, Jesus é totalmente Deus e totalmente Homem. Outro meio auxiliar para dizê-lo é que Jesus é 100% Deus e 100% Homem.

Jesus é totalmente Deus

         Já vimos que cada Pessoa da Trindade é absolutamente Deus. As três Pessoas da Trindade não são cada uma 1/3 de Deus, mas cada uma é Deus. Assim, Jesus é totalmente Deus, visto como Ele é Deus o Filho encarnado. Isto significa que tudo que é essencial para ser Deus é verdadeiro em Jesus. Ele não é parte de Deus nem 1/3 de Deus, mas totalmente Deus. “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade”  (Colossenses 2:9).

Jesus é totalmente Homem

         É importante dizer que, quando afirmamos que Jesus é verdadeiro Homem, não queremos dizer que Ele seja parcialmente Homem, mas que Ele é totalmente Homem. Tudo que pertence à essência da verdadeira humanidade é verdadeiro nEle. Ele é tão exatamente Homem como cada um de nós. O fato de que Jesus é verdadeira e totalmente Homem está claro pelo fato de que Ele tem um corpo humano (Lucas 24:39), uma mente humana (Lucas 2:52) e uma alma humana (Mateus 26:38). Jesus não Se assemelha a um homem, nem tem alguns aspectos do que seja essencial à humanidade, mas não outros. Ele possui completa humanidade.
         É importante que estejamos a par de certas visões referentes a Cristo. Pois, se tivermos uma ideia daquilo em que não devemos crer, isto nos dará um quadro daquilo em que devemos crer. Uma das falsas visões rejeitada no Concílio da Calcedônia foi que
 

“a Pessoa de Cristo tinha um corpo humano, mas não uma mente e espírito humanos e que a mente e o aspecto divino de Cristo eram da natureza divina de Filho de Deus”  (4).

         Visto como esta visão não acreditava que Jesus tivesse uma mente e espírito humanos, de fato ela negava que Ele fosse total e verdadeiramente Homem. Em vez disso, ela apresentava Cristo como uma espécie de meio-homem, com um corpo humano, cuja mente e alma haviam sido substituídas pela natureza divina. Porém, conforme vimos antes, Jesus é tão verdadeiramente humano como todos nós, pois, exatamente como Ele possui todos os elementos da Divindade, Ele tem também todos os elementos essenciais à natureza humana: um corpo humano, uma alma humana, uma mente humana, uma vontade humana e emoções humanas. Sua mente humana não foi substituída pela mente divina. Em vez disso, Ele tem tanto a mente humana como a mente divina. Por causa disso, é errado usar frases como: “Jesus é Deus num corpo humano” , ou então: “Jesus é Deus na pele humana”.

Jesus é totalmente Deus e totalmente Homem, para sempre.

         Para a maior parte das pessoas, é óbvio que Jesus é e continuará sendo Deus, eternamente. Mas, para alguns de nós, tem escapado que Jesus também será eternamente Homem. Ele continua sendo Homem, agora mesmo, enquanto escrevo estas linhas e o será para sempre.  A Bíblia é clara em mostrar que Jesus ressuscitou dos mortos no mesmo corpo em que morreu (Lucas 24:39) e que Ele ascendeu ao céu como Homem, em Seu corpo físico (Atos 1:9; Lucas 24:50-51). Não faria sentido algum que Ele o tivesse feito, se fosse céu (falta algo nesta frase). Que Cristo continua sendo um Homem, com um corpo físico, após sua ascensão, é confirmado pelo fato de que, ao regressar, Ele o fará como Homem , em Seu corpo físico.
         Filipenses 3:21 diz que
 
"Ele transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso...".  Filipenses 3:21
        Este verso é claro sobre o fato de que Jesus continua com o Seu corpo físico. É um corpo de glória, que Paulo chama “o seu corpo glorioso”. E quando Jesus regressar, Ele ainda o terá, porque Ele transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu.  Tanto Jesus como todos os cristãos continuarão a viver juntos, eternamente, em seus corpos. Um corpo ressurreto não pode morrer (1 Coríntios 15:42), visto como é eterno (2 Coríntios 5:1).
         Por que Jesus Se tornou Homem e por que Ele o será eternamente? O Livro de Hebreus diz que foi para que Cristo pudesse ser um Salvador adequado a tudo de que necessitamos. Primeiro, observem que Jesus Se tornou Homem, a fim de morrer pelos nossos pecados. Ele precisava ser Homem, a fim de pagar a penalidade dos humanos. Segundo, Hebreus 2:17 diz que pelo fato de Jesus ser humano como nós, Ele pode ser o nosso Misericordioso Sumo Sacerdote. Sua humanidade O possibilita a ter uma empatia mais perfeita e a melhor Se identificar conosco. Não posso deixar de crer que seria muito destrutivo para o nosso conforto e fé não saber que Jesus continua sendo um Homem, no Seu corpo físico. Pois, se Ele não continuasse sendo um Homem no céu, como poderíamos nos confortar, sabendo que Ele não poderia Se identificar totalmente conosco? Ele pode Se identificar e ser o nosso Fiel Sumo Sacerdote e saber o que acontece conosco, não só por ter uma vez enfrentado a morte como Homem, mas porque Ele continua sendo Homem, eternamente.

Cada natureza permanece distinta

         A verdade sobre as duas naturezas distintas de Cristo de Sua perfeita humanidade e divindade é conhecida e bem compreendida pelos cristãos. Mas, para uma perfeita compreensão da Encarnação, precisamos ir mais longe. Devemos entender que as duas naturezas de Cristo permanecem distintas, retendo suas exatas propriedades. Mas, o que significa isto? Duas coisas: 1) - Elas não alteram as propriedades essenciais uma da outra; 2) - nem se fundem,  num misterioso tipo de natureza.
         Primeiro, seria errado que as duas naturezas de Cristo se misturassem para formar uma terceira natureza. Esta é uma das heresias contra a qual a igreja primitiva precisou lutar. Esta heresia ensinava que 
 

“a natureza humana de Cristo foi tomada e absorvida pela natureza divina, de modo que as duas naturezas formaram um terceiro tipo de natureza.”

 
        Uma analogia disto pode ser vista quando colocamos uma gota de tinta num copo d’água; a mistura resultante não é tinta pura nem água pura, mas uma mistura de ambas, formando uma terceira espécie de substância, na qual a tinta e a água são mudadas. Igualmente, esta visão ensinava que Jesus era uma mistura de elementos divinos e humanos, tendo sido modificado para ter uma nova natureza. Esta visão não é bíblica, pois anula tanto a divindade como a humanidade de Cristo. Pois se as duas naturezas de Cristo se misturassem, Ele já não seria verdadeira e totalmente Deus, nem verdadeira e totalmente homem, mas um tipo de Ser completamente diferente, resultante da mistura das duas naturezas.
         Segundo, mesmo se não reconhecermos que as duas naturezas se misturam para formar uma terceira natureza, seria errado pensar que as duas naturezas se transformaram em outra. Por exemplo, seria errado concluir que a natureza humana de Jesus se tornou divina, de algum modo, ou que Sua natureza divina se tornou humana. Em vez disso, cada natureza permanece distinta, retendo, assim, suas exatas propriedades individuais, sem mudança alguma. Conforme o Concílio de Calcedônia declarou:
 

“... a distinção das naturezas sendo de modo algum anulada pela união, mas, em vez disso, sendo preservada a propriedade de cada natureza...” (6).

        A natureza humana de Jesus permanece humana, e a divina permance somente divina.
          Por exemplo, a natureza humana de Jesus não se tornou totalmente onisciente através de Sua união com Deus o Filho; nem Sua natureza divina se tornou ignorante de coisa alguma. Se qualquer uma das naturezas tivesse sofrido uma mudança em sua essência natural, então Cristo já não seria verdadeira e totalmente Homem, nem verdadeira e totalmente Deus.

Cristo é somente uma Pessoa

         O que vimos até agora sobre a  divindade e humanidade de Cristo demonstra que Ele tem duas naturezas, a divina e a humana; que cada natureza é total e completa; que elas permanecem distintas e não se misturam, para formar uma terceira natureza e que Cristo é tanto Deus como homem para sempre.
         Mas, se Cristo tem duas naturezas, isto significa que Ele é duas pessoas? Não, Ele não é. Cristo continua sendo uma só Pessoa. Existe apenas um Cristo. A igreja tem declarado, historicamente, esta verdade, da maneira seguinte: Cristo tem duas naturezas unidas numa só Pessoa para sempre.
         Existe outra visão herética, sobre a qual devemos ficar cientes. Esta visão, conquanto reconhecendo que Jesus é totalmente Deus e totalmente Homem, nega que Ele seja uma só Pessoa. Conforme esta visão, existem duas pessoas separadas em Cristo, bem como duas naturezas. Ao contrário, a Bíblia é muito clara em que, conquanto Jesus tenha duas naturezas, Ele é apenas uma Pessoa. Em outras palavras, isto significa que não existem dois Jesus Cristos. Mesmo tendo uma dualidade de naturezas, Ele não é dois Jesus Cristos, mas apenas um Jesus Cristo. Conquanto permanecendo distintas, as duas naturezas são unidas, de tal maneira que Ele é uma só Pessoa.
         Colocando simplesmente, existe um certo sentido no qual Jesus Cristo é dois, e um sentido no qual Ele é um. Ele é dois, no sentido de possuir duas naturezas, uma divina e uma humana. Ele é um, em que, mesmo permanecendo distintas, as duas naturezas coexistem de tal modo a constituírem “uma só coisa”. Em outras palavras, as duas naturezas são ambas o mesmo Jesus e, portanto, uma só Pessoa. Segundo afirma o Credo de Calcedônia, Cristo deve
 

“ser reconhecido em duas naturezas... concorrendo em uma só Pessoa e uma substância única, embora partida ou dividida em duas pessoas, mas um mesmo Filho unigênito de Deus, o Verbo, o Senhor Jesus Cristo...”


Evidência de que Cristo é só uma Pessoa

         Veremos três passagens do ensino bíblico, dizendo que, embora Cristo tenha duas naturezas distintas e imutáveis, contudo Ele permanece uma Pessoa.
        1 - Ambas as naturezas são representadas na Escritura como constituindo “uma só coisa”, isto é, como unidas em uma só Pessoa. Em João 1:14, lemos:
 
"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade".  João 1:14

         Vemos aqui as duas naturezas: o Verbo (Sua divindade) e a carne (Sua humanidade). Contudo, vemos também que existe uma só Pessoa, pois lemos que “O Verbo se fez carne”, exigindo que reconheçamos a unidade das duas naturezas, de modo a serem uma só coisa - isto é, uma só Pessoa. Pois, em que sentido João poderia ter escrito “o verbo se fez carne”, se este não constituísse uma só Pessoa? Certamente, isto não poderia significar outra coisa, pois  iria contrariar o ensino da Escritura sobre a distinção das duas naturezas. Escrituras adicionais referentes a esta linha de evidência são Romanos 8:3; Gálatas 4:4; 1Timóteo 3:16; Hebreus 2:11-14 e 1 João 4:2,3.
        2. - Jesus nunca fala de Si mesmo como “nós”, mas sempre como “EU”.
        3. - Muitas passagens se referem a ambas as naturezas de Cristo, mas claramente tratando de uma só Pessoa.
         É impossível ler as seguintes passagens, as quais afirmam claramente as duas naturezas de Cristo e, mesmo assim, concluir que Ele seja duas pessoas: Romanos 8:3; Gálatas 4:4 e Filipenses 2:6-7.
         Considerando que Cristo é duas naturezas numa só Pessoa e, tendo em vista ainda o que está nisso envolvido, examinemos agora as duas implicações disto, o que nos ajudará a completar o quadro de nossa compreensão.

        Implicação - As coisas que são verdadeiras numa natureza, mas não em outra, mesmo assim são verdadeiras na Pessoa de Cristo.
         Conforme foi visto antes, o fato de Cristo ser duas naturezas, isto significa que existam coisas que são verdadeiras em Sua natureza humana, que não são verdadeiras à Sua natureza divina. Por exemplo,  Sua natureza humana foi pendurada na cruz e Sua natureza divina jamais teve fome. Então,  quando Cristo sentiu fome na Terra, foi Sua natureza humana quem sentiu fome e não Sua natureza divina.
         Agora estamos em posição de entender que, em vista das duas naturezas em uma só Pessoa, as coisas que são verdadeiras numa natureza não o são noutra, mas tudo que é feito por uma das duas naturezas em Cristo é, verdadeiramente, feito pela Sua Pessoa. Em outras palavras, uma coisa que somente uma das duas naturezas faz pode ser considerada como feita pelo próprio Cristo. Do mesmo modo, as coisas que são verdadeiras de uma natureza mas não de outra, são verdadeiras na Pessoa de Cristo como um todo. Isto significa que, se existe alguma coisa que somente uma das duas naturezas de Cristo faz, Ele pode perfeitamente dizer “Eu fiz”.
         Temos muitos exemplos na Escritura que o demonstram. Por exemplo, em João 8:58, lemos Jesus dizendo: "Antes que Abraão existisse, eu sou".  Ora, a natureza humana de Cristo não existia antes de Abraão, mas Sua natureza divina, que existe eternamente, já existia antes de Abraão. Mas, visto como Cristo é uma só Pessoa, Ele pôde afirmar: “... Antes que Abraão existisse, eu sou”.
         Outro exemplo simples é a morte de Cristo. Deus não pode morrer. Jamais devemos mencionar a morte de Cristo como tendo sido “a morte de Deus”.  Mas, como os humanos morrem, a natureza humana de Cristo foi a que morreu. Desse modo, mesmo que a natureza divina de Cristo não tenha morrido, podemos dizer que “Cristo experimentou a morte por todos os homens”, em vista da perfeita união das duas naturezas numa só Pessoa. Por isso Grunden diz:
 

“Em virtude da união com a natureza humana de Jesus, Sua natureza divina, de certo modo,  provou algo semelhante a passar pela morte. Assim, a Pessoa de Cristo experimentou a morte”  (7).


          Você já deve ter estranhado o fato de Jesus dizer que não sabia a hora do Seu regresso à Terra (Mateus 24:36), mesmo sendo Onisciente (João 21:17). Se Jesus é Deus, por que Ele não sabia a hora do Seu retorno? Isto pode ser resolvido pela compreensão de que Cristo é uma Pessoa em duas naturezas. Em Sua natureza humana, Jesus não possuía todo o conhecimento. Assim, em Sua natureza humana, Ele não sabia o dia nem a hora do Seu retorno. Mas, em Sua natureza divina, Ele possui todo o conhecimento e, portanto, Ele o sabia.
         Vamos agora à parte mais fascinante. Visto como as duas naturezas de Cristo estão unidas numa só Pessoa, o fato d'Ele não saber quando iria regressar à Terra não significa que a Pessoa de Cristo não o soubesse. Por isso a Pessoa de Jesus pôde dizer em Mateus 24:36:
 
"Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai".  Mateus 24:36
        Ao mesmo tempo, em virtude de Sua natureza divina, Ele pôde dizer que a Pessoa (natureza humana) de Jesus não sabia quando Ele iria regressar. O conhecimento e a ignorância do Seu regresso são, igualmente, verdadeiros na Pessoa de Cristo, mas sob aspectos diferentes. Em Sua natureza humana, Ele o ignorava, mas em Sua natureza divina, Ele o sabia.

Conclusão

         Vimos a evidência bíblica de que Jesus Cristo é Deus o Filho.  Que Ele possui tanto a natureza divina como a natureza humana e que cada uma das duas naturezas é perfeita e completa, permanecendo distinta, mas que Cristo é, mesmo assim, uma só Pessoa; e que as coisas verdadeiras a uma natureza também são verdadeiras à Pessoa de Cristo.
         A importância destas verdades deveria existir sem palavras, pois elas calam exatamente em nosso coração a respeito do que Cristo é. Conhecer estas verdades afetará grandemente a maneira como vemos Cristo  e tornam mais vívidas as narrativa de Sua vida terrena. E a compreensão destes fatos aprofunda a nossa devoção a Cristo.
         Ter uma compreensão melhor da Encarnação de Deus o Filho deveria fortalecer grandemente a nossa adoração. É motivo de grande admiração e alegria  saber que a eterna Pessoa de Deus Se tornou Homem, para sempre. Nosso reconhecimento da Pessoa de Cristo será elevado e nossa fé nEle será fortalecida, por termos uma compreensão mais profunda de Quem realmente Ele é.
         A união da divindade e humanidade de Cristo numa só Pessoa faz com que todos nós tenhamos a necessidade do mesmo Salvador. Como isto é glorioso!
         Porque Jesus é Deus, Ele é Onipotente e jamais poderá ser derrotado. Ele é Deus, sendo, portanto, o único Salvador adequado. Porque Ele é Deus, os crentes estão seguros  de que jamais perecerão. Estamos seguros porque Ele é Deus e todas as pessoas Lhe prestarão contas, quando Ele regressar para julgar o mundo.
         Porque Jesus é Homem, Ele experimentou as mesmas coisas que experimentamos. Porque Ele é Homem, pode vir em nosso socorro, como o nosso Fiel Sumo Sacerdote, quando chegamos ao limite de nossas fraquezas humanas. Porque Ele é Homem, podemos nos relacionar com Ele, pois Ele não está longe de nós e nem fica alheio às nossas necessidades. Porque Ele é Homem, não podemos nos queixar de que Deus não conheça os problemas pelos quais estamos passando. Ele os experimentou em primeira mão.
         Finalmente, devemos estar preparados para defender a verdade sobre a divindade de Jesus Cristo e a Sua humanidade,  e tornar compreensível aos outros a  união das naturezas divina e humana numa só Pessoa.
         Deste modo, consideremos a necessidade de memorizar os muitos versos que ensinam que Jesus é tanto Deus como Homem, a fim de podermos explicar aos outros a relação entre as duas naturezas de Cristo.
         Que possamos aguardar, até que Ele venha,  o dia em que O veremos face a face, regozijando-nos na bendita esperança desse dia e que isto possa nos inspirar a ter uma diligência maior em servi-Lo e adorá-Lo.

Bibliografia
1 J.I. Packer, Knowing God (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1993 edition), p. 53.
2 Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine (InterVarsity and Zondervan Publishing, 1994), p. 556.
3 Packer, p. 57.
4 Grudem, p. 554.
5 Grudem, p. 556.
6 Chalcedonean Creed, quoted in Grudem, p. 557.
7 Grudem, p. 560.

Autor: John Piper
Traduzido por: Mary Schultze